Ao entregar a Base de Val-de-Cans à FAB, os americanos deixaram todas as viaturas, oficinas, equipamento, suprimento e material bélico existente.
Nos paióis de munição havia uma grande quantidade de bombas de profundidade, necessárias às missões de Patrulhamento. Essa bombas foram fabricadas no início dos anos quarenta e tinham um prazo de validade de alguns anos (não me lembro quantos).
Durante uma inspeção feita pela então Inspetoria da Aeronáutica foi constatada que todas estavam com seus prazos de validade vencidos e que deveriam ser eliminadas.
A Base cogitava de colocá-las todas numa barcaçaa e jogá-las ao mar a uma certa distância da costa. Mas essa medida foi sendo postergada e nem sei se foi implementada.
No dia 7 de setembro de 1951 recebemos a ordem de fazer o célebre desfile aéreo, em comemoração ao Dia da Pátria. Planejamos, e obtivemos autorização de fazer uma demonstração de Bombardeio Horizontal no rio Guamá, em frente às docas do porto, empregando seis aviões, cada um deles armado com duas bombas de profundidade.
Por razões de segurança colocamos uma espoleta de impacto em cada bomba; além disso, instalamos uma outra espoleta de profundidade regulada para a menor profundeza possível, pois queríamos ter a certeza de que as bombas explodiriam, quer no impacto com a água, quer ao atingir a profundidade para a qual estavam reguladas.
Consultando a Capitania dos Portos, plotamos o canal onde era maior a profundeza e selecionamos o ponto onde seria colocado o alvo. Solicitamos também, que a área próxima ao alvo fosse interditada a qualquer embarcação.
Como sempre fazíamos, colocamos um observador na bolha do avião líder para registrar os impactos. Nesse avião líder foi instalado um visor, operado por um oficial Bombardeador.
Seguindo os procedimentos adotados para bombardeio horizontal feito por aviões em formação fechada, o bombardeador, após enquadrar o alvo e iniciar a corrida, ao atingir o ponto de lançamento comanda, via rádio, que todos os aviões lancem suas bombas simultaneamente. As bombas foram lançadas e várias explosões ocorreram próximo ao alvo.
Ao regressar ao Esquadrão, também por norma, havia o “debriefing”, ou seja, um relato do que tinha acontecido. O observador acusou apenas 11 explosões, mas sem muita certeza, pois elas ocorreram simultaneamente. Ninguém deu importância a esse fato, julgando que era fruto de um engano do observador.
No dia seguinte fomos contatados pelo QG da 1ª Zona Aérea dizendo que havia chegado ao QG a informação de que teria havido uma explosão no leito do rio Guamá, em frente as docas, cerca das 23:00 horas do dia anterior, quando não havia nenhum tráfego de barcos. Imediatamente nos lembramos da informação do observador de que ele havia registrado a explosão de apenas onze bombas e não de doze, como previsto. Respondemos ao QG de que de nada sabáamos a respeito.
Mais tarde consultamos a tabela de mares da região e constatamos que a maré tinha atingido seu ponto mais elevado cerca das 23:00, hora em que teria ocorrido a explosão.
Após a análise de várias hipóteses, concluímos que a espoleta de impacto havia funcionado em apenas onze das doze bombas lançadas. Apesar das espoletas de profundidade terem sido reguladas para o mínimo de profundidade, a explosão da décima segunda bomba só ocorreu quando a maré atingiu seu ponto mais elevado.
Ou a profundidade do canal informada pela Capitania dos Portos não estava correta, ou regulagem da espoleta de profundidade também não foi feita corretamente, ou o fato de todo o material estar com o tempo vencido introduziu uma falha na espoleta de impacto, que não explodiu, e outra falha na espoleta de profundidade, que só explodiu com uma pressão hidrostática superior à para qual estava regulada. Mistérios da vida!
Autor Cel. Av. José de Carvalho